Análise
do crime das Irmãs Papin e Precisamos falar com Kevin
A
sociopatia é uma psicopatologia presente na história humana que não tem cura,
mas tem tratamento químico e psicológico.
No
CID – 10 E DSM IV.
Folie
à Deux, transtorno psicótico compartilhado para se referir à loucura a dois. Já
em 1877 La segue e Falret se manifestara sobre a folie à deux. Eles falem de um
contágio que ocorre na relação, a partir da aceitação do delírio do outro, em
que o delirante convence o outro da verdade de seu delírio. Esses autores
comentam que há uma pessoa doente e outra receptiva que seria alienada por
reflexo. Lea se identifica com Christine, admirando-a e idealizando-a. Lea pede
a Christine que lhe penteie os cabelos que lhe conte histórias. Em Lea há um
misto de filiação, de amante, submissão e admiração em relação à Christine. O
CID 10 faz referência ao Transtorno Delirante Induzido, partilhado por duas ou
mais pessoas ligadas por fortes laços emocionais. Apenas um é doente e as ideias
psicóticas são induzidas na outra ou nas outras. Há um isolamento social entre
as irmãs. As mesmas parece bastarem-se a si mesmas. Há ciúmes de Christine em
relação à Isabelle. Christine, ao que indica, é a doente, uma vez que ela faz
referência a delírios persecutórios em relação à patroa e tem ideia de
perseguição, quando diz que a patroa quer separar ela de Lea, pois quando essa se
casasse levaria Lea, ideia que Christine não suportaria. Christine não parece à
primeira vista ter disturbo de personalidade, uma vez que dá conta de seu
trabalho com muita perfeição. Porém se analisarmos bem, ela apresenta uma
perfeição exagerada, talvez esse comportamento esconda uma prevenção de não ser
chamada à atenção pela patroa. Ela já teria conhecimento de suas possíveis
reações. Já Lea é uma empregada normal, que erra e que é chamada a atenção.
Christine toma um extremo cuidado para que Lea não erre. O comportamento de
Christine dá a entrever que Lea faz parte dela mesma, é seu duplo. Que a dor de
Lea é sua dor. Ela, Christine é uma com Lea. Christine parece ser a
protagonista sociopata, reclama da mãe que a trocava de emprego, não a pegava
no colo, por não gostar de seu choro, como se alguém possa gostar de choro, da
irmã Verônica que a havia abandonado. Tudo isso reforça o medo de Christine de
ser abandonada ou separada de Lea. A senhora Lancelin é tratada pelas irmãs,
entre elas, como “mamãe”. Mas a senhora Lancelin se torna, para Christine,
perseguidora como sua mãe Clémence. O olhar da senhora Lancelin incomoda
Christine até que seus olhos sejam arrancados na noite do crime por Christine.
Esse foi um ato simbólico que aqueles olhos não mais olhariam para elas, as
duas; A razão de Christine é Lea. Lea como que para agradar Christine a imita
arrancando os olhos de Isabelle. Os sexos das duas são expostos para, talvez,
expressar a raiva que as duas assassinas tinham delas pelas insinuações que o
incesto das duas já ter sido percebido pelas patroas.
Lacan
analisou esse crime e até escreveu um resumo do mesmo. Esse padrão de crime é
tratado por doutor Genecy Leal como folie à deux quando comenta os crimes dos
canibais de Garanhuns no IV Congresso Interamericano “Violência, Culpa e Ato”
realizado em Garanhuns. Jorge Beltrão tinha alucinações visuais e auditivas,
conforme o livro “Revelações de um Esquizofrênico”, as suas companheiras
acreditavam nele e compartilhavam as alucinações dele que remetia o grupo para
o terreno do religioso. Ele é um sociopata, pois um esquizofrênico não
premedita o crime.
Ambos
os crimes foram cometidos por pessoas que eram muitíssimo próximas, em duplas,
no caso dos canibais em trio, e com requinte de crueldade. Assim a história
está carregada desse tipo de crime. Poderíamos citar o caso do goleiro Bruno.
Um criminoso é o esteio, o outro pega coragem deste para praticar os atos de
selvageria. Após a execução de uma vítima desses sociopata eles agem como se
estivessem com o dever cumprido. O ato desfaz a construção delirante. As irmãs
ficam apaziguadas, satisfeitas, se encontram consigo mesmas e como quem acaba
de realizar uma atividade física prazerosa, onde descarregam todo o estresse,
vão dormir em paz, ou melhor, se aconchegam nuas como para demonstrar que ambas
são uma. Estavam nuas e abraçadas ao chegar à polícia.
A
análise da personalidade psicótica das irmãs Papin, na literatura
psicanalítica, parte do ponto em que as mesmas cometem o duplo assassinato.
Psicanaliticamente seria interessante o estudo de sua infância que talvez fosse
esclarecedor de alguns aspectos relativos ao ato criminoso. Talvez a patroa
zangada tenha feito referência à mãe das irmãs Papin em algum momento de suas
vidas, quando elas ainda não tinham força nem disposição para assassiná-la. O
assassinato da senhora Lancelin e de sua filha pode ter sido um ato simbólico
de vingança, onde as irmãs “assassinam” a mãe e a irmã mais velha, Verônica, em
nome do abandono que ambas cometeram com elas. Também esse assassinato remete
ao ciúme entre as “mães” de Lea: assenhora Lancelin e Christine, no caso.
FILME:
“PRECISAMOS FALAR COM KEVIN”
Eva (Tilda Swinton) mora sozinha e teve sua
casa e carro pintados de vermelho. Maltratada nas ruas, ela tenta recomeçar a
vida com um novo emprego e vive temorosa, evitando as pessoas. O motivo desta
situação vem de seu passado, da época em que era casada com Franklin (John C.
Reilly), com quem teve dois filhos: Kevin (Jasper Newell/Ezra Miller) e Lucy (Ursula
Parker). Seu relacionamento com o primogênito, Kevin, sempre foi complicado,
desde quando ele era bebê. Com o tempo a situação foi se agravando mas, mesmo
conhecendo o filho muito bem, Eva jamais imaginaria do que ele seria capaz de
fazer.
O filme começa com Eva grávida, numa reunião de
apoio para grávidas. Eva, futura mãe de Kevin parece não aceitar a gravidez e
lentamente vai se afastando das outras grávidas até que consegue escapar. Na
hora do parto ela resiste a expulsar o bebê e a parteira lhe chama a atenção
para esse fato. Após o nascimento de Kevin, Eva não se acostuma com o fato de
ser mãe e aparece segurando, estranhamente o bebê pelos braços que chora e é
imitado pela mãe. Essa deveria ser a terceira fase do espelho de Lacan, é nela
que Kevin se depara com a hostilidade da mãe que ele constrói em si mesmo, já
que a mãe é o espelho. Há outra cena em que ela o leva para passear no carrinho
e o aproxima de uma britadeira em funcionamento e se demora parada, expondo seu
filho ao intenso barulho. As hostilidades entre mãe e filho continuam e quando
Kevin já está com uns três anos aparece uma cena em que a mãe quer interagir
com ele jogando uma bola para ele que não lhe devolve a bola como ela esperava.
A relação da mãe com o filho é extremamente
importante para a constituição da criança como sujeito e da sua relação com o
mundo. Segundo Lacan, a criança não nasce sujeito, é simplesmente um ser regido
por pulsões que precisam ser atendidas. Nessa fase Kelvin já se dissociou da mãe. Ele deveria está vivendo o
Édipo, o que não acontece. Essa relação aparece no filme apenas uma vez em que
Eva ler uma historinha para Kelvin que fica enciumado quando o pai aparece e o
manda embora. É uma cena um pouco erotizada. Kelvin se comporta sempre desafiando
a mãe. Kevin
desafia a mãe em vários momentos do filme, como por exemplo, falando ao mesmo
tempo em que ela, estragando as produções de arte do quarto da mãe e fazendo
suas necessidades fisiológicas nas fraldas mesmo sendo já um menino crescido.
Certa vez, ao fazer as necessidades nas fraldas por duas vezes consecutivas,
Kevin irritou Eva, que não soube como lidar com a situação e jogou-o no chão,
fato este que fez com que a criança fraturasse o braço. O nascimento da irmã é
um aspecto importante para a constituição de Kevin. No momento em que o garoto
conhece a irmã recém-nascida, joga água em seu rosto, percebendo que ela recebe
a atenção da mãe, de forma contrária do que ocorre com ele.
O
desfecho do filme é trágico e anunciado gradativamente na medida em que algumas
cenas vão mostrando como a partir da estrutura de Kevin foi se delineando a
denúncia fatal. Cenas onde materiais de limpeza são tornados acessíveis para a
irmã e, em virtude disso, a menina acaba perdendo um olho. Ele desenvolveu uma hostilidade com a
mãe que resultou no acerto de contas com a família e com colegas e professores
da escola onde estudava.
No final do filme aparece ele dialogando com a
mãe que lhe pede explicação do porquê ele ter agido daquele jeito na escola e
com sua família e ele responde-lhe que pensava que sabia, mas agora reconhece
que não sabe o porquê de ter agido assim. Isso demonstra a construção do
sujeito feita pela rejeição de sua mãe. Quando a mãe o levou ao médico, este
não diagnosticou problema algum em Kevin, mas faltou uma análise mais apurada
tanto da mãe como do filho. No final do filme, o menino faz uma
indagação inquietante para sua mãe ao ouvir dela a frase você não lhe parece
feliz. O garoto, de forma irônica diz algum dia um já fui feliz?
O
comportamento de Kevin pode ser classificado como identificação projetiva, quer
dizer, o ódio derramado pela mãe fez com que a criança concretizasse os
sentidos negativos da mãe no seu ato desesperado e criminoso de chamar a
atenção da mãe. Um fato curioso que que ele não matou a mãe, mesmo tendo
oportunidade de o fazê-lo. O ato de desespero é o de dizer: “olha aí, mãe, tua
construção.
BIBLIOGRAFIA
WINNICOTT.
D. W. Os bebês e suas mães. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
CRÉDITOS
NARCISISMO
E VIOLÊNCIA
Acessado
em 06 de outubro de 2014.
FILMES
Entre
Elas:
Precisamos
falar sobre Kelvin:
http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v12n2/v12n2a04, De
H. Cleckley ao DSM-IV-TR: a evolução do conceito de psicopatia rumo à
medicalização da delinquência. Consultado em 06/10/2014.