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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Ataque de pânico

    Inicia-se repentinamente e é muito intenso, imobilizando a pessoa e deixando-a absolutamente desconfortável e irracional quanto ao que está sentindo. Não adianta pedir para ela se acalmar ou tentar minimizar o que ela está sentindo. A pessoa não atenderá, e essa intervenção não servirá para amenizar os sintomas.
    O ataque de pânico é considerado transtorno quando ocorre com frequência e a pessoa também fica com medo de novas ocorrências e começa a mudar seus hábitos de vida, o que a predispões para novos ataques. O diagnóstico é clínico. É importante saber que ataques de pânico que acontecem esporadicamente não precisa de tratamento psiquiátrico, mas de acompanhamento psicológico.
    O transtorno do pânico precisa de acompanhamento psiquiátrico e terapias cognitivo comportamentais. Se o indivíduo preferir poderá trocar a terapia comportamental por acompanhamento de um psicanalista ou de um hipnoterapeuta sem, no entanto, abandonar o acompanhamento psiquiátrico
    O ataque de pânico tem como principais sintomas; muito desconforto, medo de morrer, medo de perder o controle de si, dor ou desconforto no peito, tonturas, sensação de desmaio, aceleração dos batimentos cardíacos, sensação de falta de ar, tremores, sudorese, medos, e desconforto generalizado.

domingo, 20 de setembro de 2020

Quando o jogo se torna compulsão

    O vício de jogar se torna compulsivo quando o jogador, mesmo percebendo os males que causa a si mesmo, à família e aos amigos, e querendo parar de jogar não consegue. A atividade do jogo se torna nociva quando vira uma compulsão, sendo que os jogos que envolvem dinheiro são mais prejudiciais, pois além de afetar o jogador, afeta a família. Todos os jogadores compulsivos por qualquer tipo de jogo, incluindo os jogos de computadores e internet, precisam de acompanhamento psicológico que os ajude a se livrar do vício.
    Muitos estudiosos apontam que o jogo patológico é semelhante à dependência química. Isso acontece devido a liberação de neurotransmissores como endorfina, dopamina, serotonina e ocitocina em várias regiões do cérebro, ocasionando o que conhecemos por sistema de recompensas. O trafego dessas substâncias pelo cérebro ocasiona, a longo prazo a compulsão por quaisquer drogas e vícios, no caso aqui pelos jogos. A noradrenalina, que é um neurotransmissor e é secretada em resposta a eventos estressantes e excitantes, também é acionada no ato de jogar e é responsável também por viciar o indivíduo. É por isso que os jogadores passam a jogar cada vez mais, na expectativa de passar por essas experiências psicológicas geradas pela produção e transmissão desses hormônios/neurotransmissores. É um mecanismo muito semelhante à dependência química.

    Para identificar se um jogador é viciado segue algumas dicas, ele precisa atender ao menos cinco delas.

1. Demonstra preocupação frequente com o jogo.
2. Aumenta progressivamente as apostas, no caso de apostar dinheiro.
3. Expressa a vontade de parar de jogar.
4. Tem síndrome de abstinência ao tentar parar de jogar, como; irritação, ansiedade, inquietação, insônia, agressividade etc.
5. Por causa dos jogos, deixa de se relacionar com as pessoas íntimas, perde oportunidades de empregos, prejudica os estudos.
6. Usa o jogo como desculpa para seus infortúnios econômicos, amorosos, sociais, dizendo frases como “o único prazer que eu tenho é o jogo”.
7. Mente para familiares, terapeutas, ou outros, tentando camuflar o vício.
8. Quando perde no jogo, retorna para recuperar o dinheiro perdido.
9. Pede dinheiro emprestado para jogar.
10 Financia o jogo através da prática de pequenos delitos, mesmo que sejam praticados com a família.
    Os jogos eletrônicos, de computadores e de internet também entram nesse esquema, mesmo que não haja dinheiro envolvido. As pessoas que criam jogos para computadores estudam muito sobre como o jogo se torna capaz de ser mais viciante. Sempre procuram atingir um público-alvo, na maioria crianças e adolescentes, procurando saber suas preferências.
As mães precisam ficar atentas às horas que seus filhos passam em jogos de computadores e de celulares. Essas babás cobrarão em prejuízos lá na frente.

sábado, 19 de setembro de 2020

Maus-tratos na infância e doenças cardiovasculares

    Em 22 de julho o jornal de saúde, HealthDay News, noticiou um estudo realizado no Reino Unido. Segundo esse estudo todos os tipos de maus-tratos na infância estão associados a um maior risco de doenças cardiovasculares em ambos os sexos.
    Ana Luiza Gonçalves Soares, PhD, da Universidade de Bristol, e equipe, avaliaram associações entre maus-tratos na infância e doença hipertensiva, doença cardíaca isquêmica e doença vascular cerebral em 157.311 voluntários do Biobanco do Reino Unido.
    Entre as mulheres, todos os tipos de maus-tratos foram associados a um risco maior de doença hipertensiva e todos os maus-tratos, exceto pela negligência emocional, estavam associados à doença vascular cerebral. Entre os homens todos os maus-tratos, exceto pelo abuso sexual, estavam associados a um risco mais elevado de doença hipertensiva, e todos os maus-tratos, exceto, pelo abuso físico e sexual, estavam associados a doença vascular cerebral. Nas mulheres essas associações eram amis fortes.
    Esse estudo indica que se preste atenção às pessoas ainda jovens que sofreram maus-tratos na infância para que se façam prevenções precoces que evitem consequências de doenças cardiovasculares.
    Há muito tempo se estuda a interligação entre emoções e doenças físicas: raiva, tristeza, mágoa, frustrações, ódio, inveja, são alguns dos sentimentos que trazem doenças cardiovasculares e outras doenças físicas. Uma descarga de ódio, por exemplo, aumenta os batimentos cardíacos e a adrenalina na corrente sanguínea, o que é normal, mas se essas alterações físicas forem constantes, o físico adoecerá. Não se trata aqui de doenças emocionais, são doenças físicas mesmo que são provocadas por descarga emocionais negativas.

       Pense:
    - Como você experimenta as emoções negativas?
    - Como seu corpo reage às emoções Negativas?
    - Como você responde às emoções negativas?

    Liberte-se daquilo que lhe faz adoecer. Não guarde mágoa, ódio, tristeza, raiva, intriga etc. esses sentimentos alteram as funções corporais e acabam lhe adoecendo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Criança é analisável?

Partindo de uma abordagem histórica sobre a análise de crianças até a evolução atual dessa prática com Winnicott e E. Bick. Segundo Celso Gutfrein; Freud, com o pequeno Hans, abriu espaço para a compreensão do mundo infantil.
    A análise de crianças se processa sobretudo com as questões das relações entre a tríade pai-mãe-criança e as situações vividas pela criança – complexo de Édipo. Freud orienta o processo de análise do pequeno Hans feita pelo Sr. M. Graf, pai mas inclui a mãe e várias situações da análise. É importante salientar que na análise do pequeno Hans, Freud estava preocupado em confirmar suas hipóteses sobre a teoria da sexualidade infantil e o conflito edípico como estruturador da neurose. O caso Hans é a grande contribuição freudiana à psicanálise com crianças. Se, por um lado, o autor encarava o uso da psicanálise com os pequenos apenas como “experiência pedagógica”, por outro, ele foi capaz de reconhecer a sensibilidade da criança às intervenções de uma análise.
        Criança se angustia?
      Criança se angustia, tem fobia e sofre. Ela é analisável. Freud afirma que a psicanálise não poderia ser feita com crianças, isso em 1912, mas o caso Hans foi em 1908, portanto anterior a esta afirmação. Em 1933 Freud afirma que a psicanálise com crianças fracassa devido as próprias condições da criança.
        A criança deve ser ouvida?
     Para Freud a criança deve ser ouvida, mas por que ele escolheu o pai de Hans como intermediário do processo de análise? Freud modifica a relação pai e filho. No caso do pequeno Hans, opai se torna num ouvinte do próprio filho e, permissivo, apenas conduz o pequeno para relatar suas reações ao professor.
    Como a criança livre associa?
  Melanie Klein colocou o desenho como paralelo com a livre associação, os gestos e reações com o psicanalista, com a mãe e/ou com o pai presentes. Também a resistência e/ou defesas da criança em relação ao que acontece no setting, fazem sentido na livre associação.
    Pioneira na análise de crianças
    Hermine-Hug-Hellmuth foi a pioneira da análise de crianças, aplicando as teorias de Freud. (Congresso Internacional de Haia – 1920). Sophie K. Mogestern apresentou sua técnica de psicanálise com crianças em 1927 a partir do desenho, no caso da menina
com mutismo. Ana Freud publicou seu livro “Psicanálise de crianças” em 1927. Melanie Klein publicou o livro “A Psicanálise com crianças e 1932. Melanie Klein considera na análise, as relações vinculares da criança com seus familiares, pais, mães e irmãos e considera as brincadeiras das crianças como análogas às livres associações dos adultos. Mais tarde, Winnicott tira de Klein as ideias para seus trabalhos psicanalíticos, mas as usam a seu próprio modo. Ele escreve: o que faz com que um bebê comece a existir, a sentir que a vida é real, a achar que a vida vale a pena ser vivida é o cuidado maternal. O papel essencial da mãe é proteger o self do seu bebê. (Winnicott, D. V. A Localização da experiência cultural (1967), P. 116).
        A questão da transferência
     Os procedimentos acontecem no setting onde se trabalha as constelações psíquicas envolvidas mais de perto na formação da criança. O psicanalista passa a fazer parte do processo. A criança é o paciente, mas os pais fazem parte do processo de cura quando se curam. A transferência se dá entre todos os envolvidos no processo de cura; pais e criança, mesmo porque se os pais não transferirem, eles retiram a criança da análise. Para E. Bick, os pais devem ser incluídos no setting, uma vez que a compreensão da criança se dá a partir de suas relações. Muitas vezes tratando os pais a criança se cura.
BIBLIOGRAFIA
    ANZIEU, Didier. Psicanalisar. Aparecida, SP. Idéias & Letras, 2006.
    COMÉNIO. Jan Amós. Didática Magna. 4. Ed. Lisboa. Fundação Colouste Gulben-Kian, 1992.
    LIBÂNEO. José Carlos. Docência universitária: formação do pensamento teórico-científico e a atuação nos motivos dos alunos. Curitiba CRV, 2009.
    PHILLIPS, Adan. Winnicott. Aparecida, SP. Idéias & Letra, 2006.
Revista Psique. Edição especial. Artigo: “Novos Rumos para a Psicanálise”. José Renato     Avzaradel, p. 32 a 39 e “Crianças, Cem anos de Existência”. Nara Amália Caron, p. 26 a 31.
Este texto dá a impressão que foi construído em tópicos. Isso acontece porque ele foi copiado de slides de uma aula que ministrei sobre análise de crianças, mesmo tentando organizar ainda ficou esquisito.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Transferência e contratransferência

            Transferência é essencial à análise.

Tu me escutas e eu te olho. Tu me olhas e eu quero te escutar.

    Neste texto apresento uma construção do marco teórico sobre transferência e contratransferência.

        Freud chamou a atenção para a importância da infância na construção da vida adulta no que diz respeito ao equilíbrio psíquico. No seu artigo “Sobre o Narcisismo” (1914), destacou o apego das crianças às pessoas como fator fundamental de formação de sua vida psíquica. Esse apego ou desapego marcará as relações afetivas do adulto que repetirá esse padrão com pessoas que venham a despertar nuances de pessoas com as quais tenha convivido na infância.

Só é viável estudar a transferência para entender a história de vida do analisando e ajudá-lo a resinificar suas vivências inconscientes. No caso Berta Pappenheim = Ana O., que transferiu no setting de Breuer, Freud relata o término abrupto da análise de Ana O. como consequência dessa transferência. O analista precisa trabalhar a transferência do analisando com cuidado e paciência, sem contra transferir até que a transferência se esmaeça, perca a importância, desapareça, não seja mais capaz de provocar, no analisando, sintomas neuróticos derivados da mesma, como foi o caso de Anna O. que ao ser abandonada por Breuer, por ter transferido, apresentou uma gravidez nervosa.

        Para Freud a transferência tem sempre um conteúdo sexual. Ela é a atualização do inconsciente em qualquer estágio traumático da vida e acontece quando o indivíduo encontra em alguém, semelhança com pessoas que de certa maneira estiveram presentes nos acontecimentos da sua vida. A transferência pode ser negativa ou positiva. No setting cabe ao profissional a condução do processo para um desfecho positivo, apesar dele não está livre de contra transferir, deverá trabalhar essa emoção com seu supervisor e com seu analista enquanto dá continuidade ao trabalho com seu analisando. A contra transferência é ponto passível de acompanhamento analítico, tanto quanto a transferência. Só um profissional bem acompanhado por seu analista pode analisar outras pessoas.

Freud escreve o termo “transferência” várias vezes no livro “Interpretação dos Sonhos” (1900). “Alguns dias antes, eu havia explicado à paciente que as primeiras lembranças da infância “não se conseguiam mais como tais”, mas eram substituídas, na análise, por “transferências” e sonhos”. (p.128).

Há o deslocamento de representações inconscientes “para uma representação pré-consciente. Mais tarde ao formular a teoria da transferência, Freud a faz nestes termos; “O que são as transferências”? São reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiências psíquicas prévia é revivida, não como algo passado, mas como um vínculo atual com a pessoa do médico. Algumas dessas transferências em nada se diferenciam de seu modelo, no tocante ao conteúdo, senão por essa substituição. São, portanto, para prosseguir na metáfora, simples reimpressões, reedições inalteradas. Outras se fazem com mais arte: passam por uma moderação de seu conteúdo, uma sublimação, como costumo dizer, podendo até tornar-se conscientes ao se apoiarem em alguma particularidade real habilmente aproveitada da pessoa ou das circunstâncias do médico. São, portanto, edições revistas, e não mais reimpressões. A produtividade da neurose, porém, de modo algum se extingue, mas se exerce na criação de um gênero especial de formações de pensamento, em sua maioria inconscientes, às quais se pode dar o nome de “transferências”. Um caso de Histeria. (p. 70)

A transferência é peculiar à neurose. Se a análise é um tratamento das neuroses, fatalmente a transferência tem que acontecer no setting analítico. Pela transferência analisada, o analisando se torna livre da ação inconsciente dos impulsos reprimidos. Freud nunca perde o referencial da transferência na direção de suas descobertas teóricas (Lourenço, 2005). Diante do analista o paciente revive acontecimentos, o analista ajuda a resinificação do paciente que ao se confrontar consigo mesmo compreende suas vivências neuróticas. É o “Recordar, Repetir e Elaborar”. O papel do psicanalista é ser terreno onde o analisando possa transitar sem medo da censura e reelaborar seu caminho.

        O conteúdo reprimido aparece de modo transferencial e inconsciente. O psicanalista entra com o papel de tradução daquilo que é inconsciente para o consciente. “Nossa terapia age transformando aquilo que é inconsciente em consciente, e age apenas na medida em que tem condições de efetuar essa transformação”. Conferência Introdutória, parte III (p. 27). Na transferência há uma economia do trabalho de rememoração por parte do analisando, ema vez que há a fruição do inconsciente para a pessoa do psicanalista, no caso da transferência do setting psicanalítico. O psicanalista é a referência para o inconsciente vir à tona, tornar presentes seus conflitos e encaminhá-los para um desfecho mais favorável do que no passado. A transferência aparece de várias maneiras desejo de ser filho/a, amante, amigo/a, predileto/a, mimado/a, etc. O psicanalista se transforma num ídolo para o analisando. Esta é a transferência positiva. Já na transferência negativa o analisando encarna uma hostilidade sem motivos para com o psicanalista, este estará preparado, também para lidar com essa hostilidade transferencial. Essa forma de transferência acarreta a resistência à análise. Os sentimentos hostis do analisando com relação ao psicanalista também são favoráveis à análise, embora exija uma competência e uma maturidade acuradas do psicanalista. Os sentimentos hostis também indicam a presença de vínculos afetivos do passado e devem ser tratados com o mesmo sentido da transferência positiva. A dificuldade, nesse caso, é que a resistência vai se interpor na condução do tratamento e o analista precisa ser muito hábil para ter sucesso no trabalho. Os conteúdos que estão reprimidos no inconsciente tendem a voltar e exigir realização, isso acontece durante toda a vida. A sorte é se essa volta se der num setting, frente a um profissional em psicanálise que acolhe o analisando em suas reelaborações desses conteúdos. No setting o analisando revive realidades inconscientes.

        Pelas características e mudanças socioeconômicas e ideológicas da atualidade, o analisando não apresenta as emoções vividas da maneira, mesmo porque as pessoas para as quais ele transfere são também outras. Embora o inconsciente tenha se formado no passado, não podemos nos referir ao passado para o mesmo, pois ele é sempre presente. A pessoa do psicanalista desperta o insight no inconsciente, como ele não tem o discernimento “revive” situações.

Conclusão

A transferência não é criada no setting psicanalítico, apenas nele ela encontra um lugar propício para se revelar. Nela o psicanalista encontra material útil a seu trabalho. É realmente um “Método Perigoso”. Nunca é demais o investimento em análises e formação para o psicanalista e mesmo com todos os cuidados ele ainda corre o risco de contra transferir e ter que passar o seu analisando para outro profissional se não conseguir lidar corretamente com a situação.

        A transferência se dá ao longo da vida, nas circunstâncias mais variadas. No setting ela é material de análise apenas.

    REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Um caso de Histeria. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. http://www.psicanaliseflorianopolis.com/artigos/147-obras-completas-de-sigmund-freud.html

-- Conferências Introdutórias. Parte III. Vol. XVI (1916-1917) http://www.psicanaliseflorianopolis.com/artigos/147-obras-completas-de-sigmund-freud.html

LANDA, Fábio. Ensaio sobre a criação teórica de Ferencsi a Nicolas Abraham e Maria Torok. Ed. Unesp, 1998.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Interpretação de um sonho

            Introdução
        Esta abordagem conta com dois tipos de interpretações. A primeira interpretação é a interpretação do senso comum e a segunda é uma tentativa de interpretação à luz freudiana. Na interpretação pelo senso comum os mecanismos de defesas estão mais palpáveis e são inúmeros. Já na interpretação à luz de Freud, com uma abordagem voltada para a vida sexual, há mecanismos de defesa mais camuflados, talvez a sonhadora não quisesse se expor demais.
Para a psicanálise o sonho é o "espaço para realizar desejos inconscientes reprimidos". Segundo Freud a maioria dos sonhos têm desejos sexuais reprimidos. Para Freud, no sonho, há o conteúdo manifesto: a fachada, o que lembramos, e o sentido latente que é o que realmente importa por ser aquilo que o sonho revela. Interpretar um sonho significa conferir-lhe um sentido, isto é, ajustá-lo à cadeia de nossas faculdades mentais.
            O sonho
        Joana estava em uma escola onde trabalha; na cozinha ela pega um pacote de arroz. Uma professora, desconhecida, a chamou para saber se ela estava no meio de uma confusão, ela não estava, mas se prontificou a falar com a professora em outra ocasião para esclarecimentos. Joana saiu com o arroz e um monte de cadernos e cadernetas nas mãos. Ia para uma loja que um colega havia aberto. Num quarto, úmido, no final da loja havia uma mesa sobre a qual estava um monte de sucatas de tralhas pequenas de ferro. Joana organizou as cadernetas e as amarrou formando um pacote. Abriu o pacote de arroz e encontrou um crucifixo pequenino, um cascudinho, besouro e um lindo par de brincos, cada um tinha uma correntinha dependurada, o arroz custava R$ 1,60 com tantas bijuterias? Joana pensou em comprar um quilo para a filha dela. Joana estava com uma colega de trabalho que queria que ela fosse à sua casa mas Joana não acompanhou a colega que foi embora zangada. Então Joana foi embora para casa, uma rua asfaltada cheia de ladeiras. Subiu, desceu, virou a esquina e estava subindo, numa cadeira de rodas, uma rua de outra cidade. A cadeira andava sozinha. Na calçada havia dois homens sentados, um se levantou, o outro era aleijado. Ela saiu da calçada e continuou empurrando a cadeira em direção à outra rua. Lá ela encontrou uma vacaria, uma placa de vende-se leite, um ônibus batido, sucateado, um homem consertando uma macha do ônibus, a rua estava cheia de entulhos de lixo, úmida, ela reclamou da rua, mas continuou subindo. Encontrou um menino e uma mulher, que diz que vai haver um terço na rua. Joana continuou andando e seguiu três pessoas; uma mulher e duas meninas, quis falar com uma das meninas e a menina se afastou e entrou em casa, Joana diz que já foi professora da irmã dela, a menina não lhe dá bolas e Joana sai...
            As interpretações
        O sonho é dividido em duas partes: A primeira acontece em uma cidade, onde Joana trabalha atualmente e a segunda em outra cidade.
         Considero que a primeira parte é um prelúdio para adentrar na segunda parte. Foi lá que Joana viveu a adolescência. O que percebo é que Joana sai do presente, na primeira parte, para o passado na segunda parte do sonho. No inconsciente não há essa divisão, tudo está misturado. Dá para perceber que ao sair da escola, para a loja do colega, Joana já estava adentrando na outra cidade em que havia morado. Nessa cidade foi onde Joana passou fome. Acho que por isso o arroz, para não ir para lá de mãos vazias. Os cadernos e cadernetas são respostas à cidade de que agora ela tem emprego. É como se ela fosse passar na cara da cidade: “estou trabalhando”. Na mesa deveria haver comida, mas só sucatas, ferros duros de roer. Amarrar as cadernetas, diários de classe, amarrar o emprego, assegurar-se de que o trabalho estaria garantido. Abrir o pacote de arroz, abundância de comida; crucifixo, Deus quem deu. Cascudo, garantia de alimento. Brincos, estabilidade, riqueza, não há o que temer.
Joana pode adentrar na própria infância, na cidade onde morou. Subir a rua de Cadeiras de rodas, devagar, sofrida, tolhida pela fome... O aleijado era o pai, que entrou em depressão e não queria trabalhar para alimentar os filhos, vivia deitado numa cama. Os vizinhos trabalhavam. A rua na qual ela empurra a cadeira é a rua onde ela morou por um tempo. Vacaria e placa de vende-se leite, relaciono com a fome e a vontade de comer. Como o ônibus, tudo está parado, sucateado, a marcha que deveria colocar as coisas em andamento está emperrada. Rua cheia de entulhos, lixo, Joana reclama, mas continua subindo. Reclama, mas continua lutando para sair da situação de miséria, no caso, estudando. Um menino, uma mulher: a mãe de Joana, aflita, rezando. O menino pode ser um dos irmãos dela. Nessa rua Joana encontra uma mulher e duas meninas, diz que já foi professora de uma irmã da menina: era o futuro, a profissão.
No sentido freudiano posso pensar o sonho da seguinte forma: O pacote pode se referir ao saco escrotal, a vontade de querer homem sempre demanda numa confusão, a professora estava com ciúmes, no sonho o inconsciente nega ao consciente que Joana esteja metida na confusão. Joana sai com o arroz, macho; um monte de cadernos e cadernetas, fêmeas nas mãos; o lado bissexual, o pacote e as cadernetas, são levados juntos, porque tem as duas opções. Ia para uma loja, se abrigar para esconder sua tendência bissexual ou talvez usar o pacote ou os cadernos sem que ninguém a visse. Nos fundos uma mesa, convite ao coito, mas não se dá o coito, pois a mesa está cheia de sucatas, ocupada. Não é mesmo para se dá o coito, pois o coito é o proibido. Seria na mesa que ela deveria unir pacote de arroz com cadernos e cadernetas o que não aconteceu. Resta saber quem ou o que são as sucatas que impedem a realização do coito. O pacote feito com as cadernetas é a amarração das pernas da mulher, unidas, para que não haja coito, no caso; o pacote de arroz era aberto, mas a religião, representada no crucifixo era o empecilho para a realização do coito. O crucifixo também representa um pênis, no caso pequenino, de criança, atrofiado. Representa a falta de maturidade sexual, uma defesa para menosprezar a importância de um pênis maduro e funcional. O cascudo, um órgão sexual de mulher, representa a vontade de ter relações com mulheres, ou de assistir a uma relação, já que o crucifixo e o cascudo se encontram juntos, num mesmo pacote. Os brincos são as distrações que tiram o pensamento do ambiente erótico, por isso ela queria comprá-los para sua filha. A professora que a convida para ir à sua casa é uma professora que gosta dela e não é correspondida. No sonho ela pode ter aparecido como uma possibilidade para a relação homossexual que não aconteceu. O resto do sonho se dá na outra cidade, em meio a grandes dificuldades, mas apesar de a rua ser cheia de tropeços, entulhos e ladeiras Joana continua firme, andando no seu caminho. Encontrou um homem que funciona, e outro aleijado. Sua cadeira de rodas estava vazia, não tinha nem homem sadio e nem tampouco aleijado. Joana a empurrava e caminhava, estava em busca de um ocupante para a sua cadeira. Encontrou uma vacaria, uma placa de vende-se leite. Leite é alimento, mas sai das tetas, se ela não encontrou um parceiro ou parceira de graça, então pode comprar. A vaca é fêmea a marcha do ônibus é o pênis, outra vez os dois se encontram na mesma sequência do sonho. Ela encontra uma mulher e um menino, mãe e filho, homem e mulher, o superego mostra que o normal é um homem com uma mulher, mas o homem é menino, o que impossibilita o sexo. A moral religiosa é forte e a reza lembra o pecaminoso do sexo. A tentativa com a mulher e as duas meninas ainda foi mais frustrante, elas correm, mesmo que seus argumentos coloquem Joana acima delas; Joana é professora... não adianta... nem dinheiro e nem posição social. Quem venceu foi a reza.
   Conclusão
        Na busca pelo equilíbrio, personagens arquetípicas interagem nos sonhos em um conflito que buscam levar ao consciente, conteúdos do inconsciente. “Os sonhos são a estrada real para o conhecimento da mente”, eles são particularidades de nosso inconsciente que “vazam” para o consciente quando estamos em estado de completo relaxamento. Nesse sentido o relaxamento, hipnótico ou não, também é importante, pois podemos viver processos semelhantes aos sonhos e dar pistas ao terapeuta para a análise do nosso inconsciente. Realmente os sonhos são esclarecedores, pois são partes de nossas vivências ativas. Quer acordado, quer dormindo nosso inconsciente está lá vivo e se manifestando tanto no estado de sonho como de vigila, precisamos aprender a escutá-lo.
        Para se interpretar um sonho na ótica da psicanálise, é preciso que se conheça o sonhador, se tenha feito uma anamnese bem feita e já tenha uma caminhada de análise com ele. A interpretação do sonho nada mais é do que uma ferramenta para a compreensão dos conflitos internos da pessoa e só tem sentido se for feita na tentativa de ajudar à pessoa a resolver seus conflitos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Entenda seu inconsciente

    Esse ilustre detectado por Freud é que influencia nossas escolhas e atitudes. É ele que nos ajuda a organizar nossa memória, desejos e experiências. Quando queremos esquecer certas experiências ou quando simplesmente elas são traumáticas o inconsciente as absorve e depois vai liberando-as suavemente em sonhos e fantasias. Muitas vezes nos pegamos sonhando acordados como diz a música, “Sozinho: Caetano Veloso” e é verdade “a imaginação é a louca da casa”, como diz Santa Teresa de Ávila. Todos esses comportamentos de dizer não quando se quer que seja sim e dizer sim quando se quer que seja não, tem a ver com mecanismos de defesa e, portanto com o inconsciente. Aos poucos ele vai se nos revelando através de sonhos, atos falhos, desejos, imaginação, esquecimentos, lembranças boas ou ruins que surgem de repente e sem motivo algum para o seu aparecimento, transferências etc.

    Depois de revelado por Freud, o inconsciente passa a ter um papel importante em nossas relações pessoais. O inconsciente não é uma invenção de Freud, ele sempre existiu, segundo Lacam desde que organizamos nosso sistema de comunicação pela fala. O que Freud fez foi usá-lo para revelar o sujeito a si próprio, aliviando sofrimentos psíquicos, neuroses e sintomas. Colocando a pessoa de bem consigo mesma. A análise modifica as pessoas sem que elas se esforcem para isso. Após algum tempo de análise, muitas pessoas se perguntam surpresas “o que acontece”. Elas ficam menos repetitivas, mais assertivas e mais independentes, mas não sabem precisar em que momento essas transformações ocorreram. Outras deixam vícios de fumar e de tomar bebidas alcoólicas sem nunca mais sentir falta desses vícios. Resolvem as neuroses, ficam mais calmas e de bem consigo mesmas e aí vão deixando as compensações, que lhes fazem mal, sem sofrimentos.

    Por que uma pessoa que você está vendo pela primeira vez lhe incomoda sem que ela tenha feito nada de mal para você? Ela desperta um sentimento de repulsa em você e você “não vai com a cara dela”. Essas são manifestações do inconsciente que tenta lembrar algo que aconteceu e foi desagradável para você, associando o fato àquela pessoa. Sempre lembrar que o que lhe incomoda não está no outro, está em você. Assim ficará mais claro para você muitas atitudes de pessoas que lhe desagrada. Você é quem precisa resolver suas reações, então nunca será demais buscar a autocompreensão. É considerar que o outro com o qual me relaciono também tem inconsciente e por isso ele também reage às minhas abordagens, às vezes sem compreender o porque de suas reações. Nós somos interpretados o tempo todo pelo que despertamos de inconsciente do outro. Aquilo que estamos falando nem sempre é o que o outro está entendendo. Eu falo, mas o outro interpreta a minha fala e surgem os mal entendidos porque entra a vivência dos traumas paixões, sentimentos emoções vividas pelo outro que se intrometem entre nossa fala.

    Além do inconsciente se revelar por sonhos, atos falhos e atitudes impensadas, ele também se revela nos orientando, nos ajudando a encontrar soluções para nossos problemas. Por isso o melhor a fazer quando se está com um problema de difícil resolução é dormir, relaxar a mente, deixar que o inconsciente flua na imaginação onírica. Uma noite bem-dormida clareia nossas ideias e nos ajuda a ver o que não vemos no calor dos acontecimentos. Às vezes os conselhos que nos pedem para: esfriar a cabeça, descansar, tomar distância dos acontecimentos para ver melhor… São conselhos que nos remetem a deixar o inconsciente nos ajudar.

    Precisamos prestar atenção a nosso inconsciente. Ele independe do mundo externo e representa a realidade psíquica interna. O inconsciente não faz parte do sujeito ele é o próprio sujeito.


terça-feira, 8 de setembro de 2020

O bem e o mal coexistem

    Estamos vivendo um período de transição, uma vez que a revolução da comunicação e da informação se deu muito rápida e não houve tempo para a adequação da geração mais idosa. Assim dentro da mesma revolução convivem os que já nasceram nesse mundo digital e os que nasceram antes dessa revolução. porém todos estamos inseridos nessa mesma realidade. Os mais novos são os grandes produtores de apps, mídias e de conteúdos. É uma revolução onde os mais novos têm muito o que ensinar. Há pouco tempo parecia que quem tinha a autoridade do ensino era os mais idosos. Aos jovens cabia aprender e muitas vezes sem contestação. As escolas estão se digitalizando, se midificando e aí entra o domínio do jovem para ajudar na divulgação dos conteúdos via aplicativos, mídias e plataformas de ensino. Se pendermos para o lazer vamos perceber que a maior parte dos conteúdos de entretenimento são virtuais. É um motivo de preocupação para os pais uma vez que eles sabem que não têm controle sobre o material que seus filhos, muitas vezes pequenos ainda,estão acessando.

    Pierre Levy fala de uma "inteligência coletiva", mas a inteligência humana é inerente ao sujeito. De tudo que está disponível na rede, uns usam para crescer como ser humano, para aprender novas coisas úteis que facilitam a vida, para estudar conteúdos acadêmicos, acessar informações, aprender profissões etc. Outros usam para alimentar a devassidão, praticar crimes, consumir jogos indiscriminadamente e ser massificado na multidão dos que são levados a ser usados como objetos de consumo e de manipulação. Essas duas categorias podem se misturar numa mesma pessoa. Contudo tem muita gente que usa a rede para lucrar com a produção de conteúdos, nem sempre recomendáveis. Há os produtores e os meros consumidores que vivem para dá lucro aos que produzem conteúdos. A rede também é mundo real e não modifica a índole humana por si só. Vai-se buscar na internet o que se fantasia para a vida.

    Nesse transição, crianças, adolescentes e jovens deixam de ouvir os pais para seguir os influenciadores. Os pais ficam um pouco perdidos, só que eles precisam se lembrar de quantos elogios fizeram às crianças pequenas quando elas aprendiam a "mexer" no celular e no computador, construindo nelas a crença de que usar esses objetos eram comportamentos bons, aceitáveis e louváveis pelos pais. Nesse labirinto tem um monstro e se não cuidarmos dos nossos filhos ele os devoram. O que mais os produtores de entretenimentos querem é que os consumidores fiquem viciados em seus produtos e para isso recorrem à programação neurolinguística, psicologia infantil e juvenil estratégias de marketing digital e a todos os tipos de artifícios capazes de produzir sensações psicológicas agradáveis em seus usuários. Até as cores usadas são direcionadas para o aumento do consumo de seus produtos.

    O bem e o mal estão presentes em todos os lugares, cabe-nos escolher o bem e ajudar aos nossos filhos a fazerem o mesmo. Não posso deixar de registrar que muitos pais reclamam do vício de seus filhos em computadores e celulares, mas não dão outra opção às crianças, não brincam, não passeiam e não fazem nenhum atividade física com elas. Muitas vezes eles também são viciados em mídias.

sábado, 5 de setembro de 2020

Abuso sexual infantil

     Toda teoria psicanalítica está voltada para as consequências psíquicas de tudo que vivenciamos e são condições para a formação da mente saudável ou não. O nosso passado insiste em se presentificar, isso porque a mente não tem passado e traz para o momento em que estamos vivendo recordações boas e más. As boas se transformam em saudade, para nós de língua portuguesa, e as más não podem ser causas de atualização de sofrimentos. Quando elas vierem precisamos analisá-las, tirar-lhes a importância e deixá-las passar. O problema é quando esse passado traumático se presentifica indefinidamente, trazendo motivos para sofrimentos insuportáveis. Nos atendimentos de adultos que foram abusados sexualmente na infância, podemos perceber o quanto de mal trazem essas más lembranças para a pessoa. É uma ferida que nunca sara. Não há cicatrização que apague o sofrimento do estupro infantil, principalmente aquele praticado por pais e padrastos, pessoas as quais as crianças se confiavam. As pessoas que carregam o sofrimento de estupros infantil precisam serem acompanhadas permanentemente.

    Uma ninfomaníaca, hoje prostituta, se sentia julgada negativamente por muitas pessoas de seu convívio. Ela se dizia vítima de preconceitos dos mais variados. Teve muitos filhos e entre os filhos, os irmãos praticavam o abuso sexual com os menores, até crianças de 3, 4 anos eram abusadas pelos irmãos. Depois essas crianças cresceram, se tornaram promíscuas e entraram para as drogas, o tráfico, os assassinatos e as prisões. Numa análise foi constatado que essa mãe era constantemente abusada sexualmente por pessoas que deveriam cuidar dela. Então o julgamento das pessoas perdem a base de moralidade. É por isso que não se deve julgar, pois não se sabe o tamanho do sofrimento do outro e que lembranças fazem parte dos seus monstros interiores. Mesmo que essas pessoas não tragam para o presente, pensamentos conscientes dos traumas passados, eles estão lá, no inconsciente e se manifestam em ações e atitudes, nem sempre compreensíveis nem para elas próprias. As pessoas não aceitam de bom grado, algo ruim que lhes aconteceram e sempre vão apresentar reações em relação aos fatos que as incomodaram. Talvez nem elas mesmas tenham condições de interpretar suas reações. Daí entra a psicanálise para ajudá-las nessa interpretação e lhes fornecer elementos que as ajude a encontrar alternativas que possam diminuir seus sofrimentos. 

    O abuso infantil não causa apenas sofrimentos físicos. O pior é o trauma psicológico que acompanha as vítimas por toda vida. O sofrimento ainda é mais intenso quando essas crianças são obrigadas ao silêncio por seus agressores, e vão acumulando traumas sobre traumas. Um dia os traumas vão começar a se manifestar em atitudes confusas e inexplicáveis, do ponto de vista racional de quem convive com essas pessoas. Certos conflitos permanecerão por toda a existência do indivíduo. Para Freud cada ser humano é fruto de todas os amálgamas psíquicos vividos desde o início de cada um, mesmo antes do nascimento.

    Não podemos relatar pormenores de vivências do setting analítico, pois as pessoas podem se reconhecerem no texto. Mas os sofrimentos causados pelo abuso sexual infantil trazem não só mal estar para os abusados, mas transbordam para a sociedade. Ninguém pode imaginar o quanto dos marginais, viciados em drogas, pessoas que pratica latrocínios, agressores de mulheres, e vice-versa, pedófilos,foram abusados e agredidos na sua infância. É preciso considerar também que nem todos os abusados enveredaram pelo caminho do crime, mas muitos criminosos foram abusados sexualmente e abusaram também de outras pessoas. É um circulo vicioso que tem que parar para que aconteça parte da cura da sociedade.

Ciúme

    Ciúme mata e por isso precisa de tratamento. Quantos crimes passionais são cometidos por ciúmes infundados, isso mesmo, porque a única fundamentação do ciúme é psicológica e subjetiva, isto é: pertence ao ciumento. Todo ser humano sente ciúmes por isso vamos abordar o ciúme quando o mesmo se torna em doença, fica patológico. O ciúme é um sentimento natural. Ele surge de repente, quando sentimos que vamos perder algo ou alguém a quem somos apegados. Quando se trata de ciúme por pessoas, estamos diante de um problema de insegurança, talvez trazido por traumas vividos na infância em relação aos pais ou a um dos pais, a irmãos ou à questões relacionadas ao complexo de Édipo não resolvido entre os 4 e 6 anos. Quando o ciúme é patológico e entre casais, o ciumento perde o senso da razão e passa a ter reações físicas, mentais e comportamentais até bizarras, e, do ponto de vista de quem observa, incompreensíveis. Muitas vezes essas reações aparecem sem que a pessoa tenha motivo algum para esse comportamento. O ciúme se torna patológico quando a pessoa não consegue mais dominar seus acessos e passa a se prejudicar e a prejudicar as pessoas a quem ama. Também é um sintoma de patologia a falta de controle dos sentimentos e das ações e reações rompantes, praticadas pelo ciumento com comportamentos totalmente irracionais e incontroláveis, causando, às vezes, até o rompimento dos relacionamentos amorosos. Quando no casal os dois têm síndrome patológica de ciúmes, o caso é ainda mais preocupante. As famílias precisam fazer intervenções e convencer o casal a procurar ajuda psicológica, pois, nesse caso, o ciume pode provocar tragédias irreparáveis na família.

    Quando o ciúme se transforma em patologia a pessoa fica habitada por pensamentos perturbadores e passa a misturar imaginação e realidade, o que conta, para ela, é a imaginação e não a realidade. Não importa a verdade do outro, o que tem importância é o que a pessoa imagina do outro e o pior é que ela vai criando fatos imaginários cada vez mais frequentes, chegando até ao delírio. Assim a vida dela e da vítima vão ficando insuportáveis. Aparecem as irritações, a sensação de ser incompreendida, não valorizada, preterida, traída, ignorada, abandonada, etc. Até os relacionamentos vividos no passado pelo parceiro/parceira, são motivos de ciúmes e até as pessoas que não apresentam mais importância para o parceiro são motivos para confrontação. O hilário é que às vezes a pessoa do passado da outra já morreu. E o outro pode dar motivos para ciúmes? Pode, mas não ciúme patológico. O ciúme é subjetivo é um problema do ciumento, independente do que o outro faça.

    Na abordagem analítica do ciúme é preciso investigar desde traumas infantis, resolução do complexo edipiano e até se há comorbidades psicopatológicas associadas ao transtorno do ciúme. O caminho mais indicado para resolver essa patologia é buscar ajuda profissional.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Suicídio

     A cada 40 segundos uma pessoa comete o suicídio em algum lugar da Terra. No Brasil não é muito diferente. As tentativas de suicídio ocorrem mais nas mulheres, mas são os homens que concluem mais o ato. Isso ocorre porque eles não buscam ajuda psicológica, usam mais drogas lícitas e ilícitas e quando tentam o suicídio são mais auto-agressivos no seu intento. 
    Tentativa de suicídio é o ato auto-direcionado, não fatal e potencialmente prejudicial, concebido para resultar na própria morte, que pode ou não resultar em lesão. As estatísticas de comportamento suicida estão abaixo da incidência verdadeira. Há cerca de 25 tentativas para cada morte realizada. Estas tentativas, em sua maioria, não fazem parte das estatísticas porque muitas dessas pessoas não buscam o atendimento médico pós tentativa. Uma em cada seis pessoas que se mata deixa bilhete explicando os motivos ou solicitando algumas providências. A maioria dos suicídios acontecem por transtornos mentais e/ou uso de drogas. Ha fatores sociais e econômicos que também são motivos para que as pessoas se matem, mas esses em menor número. Há também distúrbios físicos como doenças incuráveis, abandono das pessoas idosas por parte dos familiares, dores crônicas, bullying, abuso sexual na infância, afastamento dos pais na infância que contribuem com cerca de 20% dos suicídios. O histórico familiar de suicídio também contam para as tentativas e conclusão do ato. A prevenção requer identificar os fatores de risco e iniciar intervenções apropriadas.
    Para ajudar é preciso estar alerta para:
    - O estado de ânimo da pessoa e as medicações, o paciente pode não se sentir otimista o suficiente para tomar, por conta própria, os remédios prescritos.
    - Cuidar das consultas e do acompanhamento psicológico do paciente.
    - Sempre manter a pessoa acompanhada, sem invadir seu espaço.
    - Ajudar na manutenção do asseio e higiene do ambiente e das roupas.
    - Cuidar da alimentação.
    O suicídio, embora cause surpresa à família, foi anunciado, de muitas maneiras, por um bom tempo antes de acontecer. Ocorre que diante de todos os sinais dados, os familiares não acreditam na concretização do ato. Muitas vezes o suicida, escreve ou modifica testamento, comenta que não há razão para viver, seria melhor morrer, etc.
    Estatísticas importantes (MSD). Cerca de 77% das pessoas que cometem suicídio fizeram consulta a um médico ou psiquiatra a cerca de um ano. 32% estiveram sob os cuidados de um profissional da área psi, ao longo do ano que precedeu o suicídio. Segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio poderia ser prevenidos, por acompanhamento profissional e de familiares.
    O caminho entre os primeiros pensamentos suicidas e a consumação do ato é longo e é nessa trajetória que se precisa intervir a tempo. O que ocorre é que muitas pessoas se sentem constrangidas diante de outras com comportamentos suicida e se afastam ou começam a julgar e menosprezar os motivos declarados como insuportáveis por essas pessoas. 
    Na prevenção do suicídio é preciso insistir e persistir no acompanhamento do amigo ou familiar, sabendo que ele não conseguirá vencer o desafio sem o apoio das pessoas a quem ele/ala ama ou se sente amado/a. Mais do que falar, empreste seu ouvido, pois quem precisa falar é a pessoa que está em risco de vida.
    O CVV: Centro de Valorização da Vida também é um importante suporte. Atualmente o CVV conta com chat, linhas telefônicas e e-mail durante 24 horas. Os familiares também podem usar esse serviço para se orientar.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Volta à escola pós quarentena

    Antes de abordar a volta às aulas precisamos tratar da situação da criança em quarentena. As crianças tiveram as mais variadas reações comportamentais, sabendo-se que nem todas reagiram igualmente e que esses sintomas não apareceram todos de uma vez na mesma criança e nem com a mesma intensidade. Cada uma reagiu de uma maneira, mas no geral, tiveram: dificuldade de concentração, irritabilidade, medo, inquietação, tédio, solidão, sono e alimentação irregulares, ficaram viciadas em jogos de internet, etc.

    No reinício das aulas muitas crianças vão passar por momentos de readaptação. Umas vão se sentir felizes em voltar para o reencontro com colegas, funcionários e professores. Talvez algumas fiquem mais indiferentes, mas haverá aquelas que irão rejeitar tenazmente a ideia de voltar à estudar na escola. Essas últimas necessitarão de paciência dos pais e resiliência da escola. Será muito importante um acompanhamento psicológico ou psicopedagógico para essas crianças. Uma orientação é que elas passem por um período de transição, dividindo os estudos entre a casa e a escola até que se acostumem novamente a frequentar às aulas presenciais. As crianças que ficaram muito angustiadas na quarentena tendem a continuar essa angústia na volta às aulas, pois elas vão se deparar com muitas mudanças implementadas na escola; distanciamento, medidas de higiene, horários diferenciados para recreios e lanches, ida aos banheiros, etc. De certa forma as crianças vão continuar com restrições à sua liberdade de socialização. 

    O corona vírus mexeu com todos nós, não só do ponto de vista da infecção em si, mas com as mudanças nos relacionamentos que tivemos que fazer. O ser humano é um animal social e o isolamento é contrário à sua natureza. Os adultos temos mais capacidade de compreender a necessidade do isolamento. As crianças, no entanto, são mais afetadas. As escolas precisam se planejar para, além dos conteúdos e organizar tempos de escuta às crianças. Certamente elas precisarão falar sobre suas experiências vivenciadas na quarentena.

    Essa pandemia foi um tranco no fluir da história e esse tranco deixará marcas nesta geração.