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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Interpretação de um sonho

            Introdução
        Esta abordagem conta com dois tipos de interpretações. A primeira interpretação é a interpretação do senso comum e a segunda é uma tentativa de interpretação à luz freudiana. Na interpretação pelo senso comum os mecanismos de defesas estão mais palpáveis e são inúmeros. Já na interpretação à luz de Freud, com uma abordagem voltada para a vida sexual, há mecanismos de defesa mais camuflados, talvez a sonhadora não quisesse se expor demais.
Para a psicanálise o sonho é o "espaço para realizar desejos inconscientes reprimidos". Segundo Freud a maioria dos sonhos têm desejos sexuais reprimidos. Para Freud, no sonho, há o conteúdo manifesto: a fachada, o que lembramos, e o sentido latente que é o que realmente importa por ser aquilo que o sonho revela. Interpretar um sonho significa conferir-lhe um sentido, isto é, ajustá-lo à cadeia de nossas faculdades mentais.
            O sonho
        Joana estava em uma escola onde trabalha; na cozinha ela pega um pacote de arroz. Uma professora, desconhecida, a chamou para saber se ela estava no meio de uma confusão, ela não estava, mas se prontificou a falar com a professora em outra ocasião para esclarecimentos. Joana saiu com o arroz e um monte de cadernos e cadernetas nas mãos. Ia para uma loja que um colega havia aberto. Num quarto, úmido, no final da loja havia uma mesa sobre a qual estava um monte de sucatas de tralhas pequenas de ferro. Joana organizou as cadernetas e as amarrou formando um pacote. Abriu o pacote de arroz e encontrou um crucifixo pequenino, um cascudinho, besouro e um lindo par de brincos, cada um tinha uma correntinha dependurada, o arroz custava R$ 1,60 com tantas bijuterias? Joana pensou em comprar um quilo para a filha dela. Joana estava com uma colega de trabalho que queria que ela fosse à sua casa mas Joana não acompanhou a colega que foi embora zangada. Então Joana foi embora para casa, uma rua asfaltada cheia de ladeiras. Subiu, desceu, virou a esquina e estava subindo, numa cadeira de rodas, uma rua de outra cidade. A cadeira andava sozinha. Na calçada havia dois homens sentados, um se levantou, o outro era aleijado. Ela saiu da calçada e continuou empurrando a cadeira em direção à outra rua. Lá ela encontrou uma vacaria, uma placa de vende-se leite, um ônibus batido, sucateado, um homem consertando uma macha do ônibus, a rua estava cheia de entulhos de lixo, úmida, ela reclamou da rua, mas continuou subindo. Encontrou um menino e uma mulher, que diz que vai haver um terço na rua. Joana continuou andando e seguiu três pessoas; uma mulher e duas meninas, quis falar com uma das meninas e a menina se afastou e entrou em casa, Joana diz que já foi professora da irmã dela, a menina não lhe dá bolas e Joana sai...
            As interpretações
        O sonho é dividido em duas partes: A primeira acontece em uma cidade, onde Joana trabalha atualmente e a segunda em outra cidade.
         Considero que a primeira parte é um prelúdio para adentrar na segunda parte. Foi lá que Joana viveu a adolescência. O que percebo é que Joana sai do presente, na primeira parte, para o passado na segunda parte do sonho. No inconsciente não há essa divisão, tudo está misturado. Dá para perceber que ao sair da escola, para a loja do colega, Joana já estava adentrando na outra cidade em que havia morado. Nessa cidade foi onde Joana passou fome. Acho que por isso o arroz, para não ir para lá de mãos vazias. Os cadernos e cadernetas são respostas à cidade de que agora ela tem emprego. É como se ela fosse passar na cara da cidade: “estou trabalhando”. Na mesa deveria haver comida, mas só sucatas, ferros duros de roer. Amarrar as cadernetas, diários de classe, amarrar o emprego, assegurar-se de que o trabalho estaria garantido. Abrir o pacote de arroz, abundância de comida; crucifixo, Deus quem deu. Cascudo, garantia de alimento. Brincos, estabilidade, riqueza, não há o que temer.
Joana pode adentrar na própria infância, na cidade onde morou. Subir a rua de Cadeiras de rodas, devagar, sofrida, tolhida pela fome... O aleijado era o pai, que entrou em depressão e não queria trabalhar para alimentar os filhos, vivia deitado numa cama. Os vizinhos trabalhavam. A rua na qual ela empurra a cadeira é a rua onde ela morou por um tempo. Vacaria e placa de vende-se leite, relaciono com a fome e a vontade de comer. Como o ônibus, tudo está parado, sucateado, a marcha que deveria colocar as coisas em andamento está emperrada. Rua cheia de entulhos, lixo, Joana reclama, mas continua subindo. Reclama, mas continua lutando para sair da situação de miséria, no caso, estudando. Um menino, uma mulher: a mãe de Joana, aflita, rezando. O menino pode ser um dos irmãos dela. Nessa rua Joana encontra uma mulher e duas meninas, diz que já foi professora de uma irmã da menina: era o futuro, a profissão.
No sentido freudiano posso pensar o sonho da seguinte forma: O pacote pode se referir ao saco escrotal, a vontade de querer homem sempre demanda numa confusão, a professora estava com ciúmes, no sonho o inconsciente nega ao consciente que Joana esteja metida na confusão. Joana sai com o arroz, macho; um monte de cadernos e cadernetas, fêmeas nas mãos; o lado bissexual, o pacote e as cadernetas, são levados juntos, porque tem as duas opções. Ia para uma loja, se abrigar para esconder sua tendência bissexual ou talvez usar o pacote ou os cadernos sem que ninguém a visse. Nos fundos uma mesa, convite ao coito, mas não se dá o coito, pois a mesa está cheia de sucatas, ocupada. Não é mesmo para se dá o coito, pois o coito é o proibido. Seria na mesa que ela deveria unir pacote de arroz com cadernos e cadernetas o que não aconteceu. Resta saber quem ou o que são as sucatas que impedem a realização do coito. O pacote feito com as cadernetas é a amarração das pernas da mulher, unidas, para que não haja coito, no caso; o pacote de arroz era aberto, mas a religião, representada no crucifixo era o empecilho para a realização do coito. O crucifixo também representa um pênis, no caso pequenino, de criança, atrofiado. Representa a falta de maturidade sexual, uma defesa para menosprezar a importância de um pênis maduro e funcional. O cascudo, um órgão sexual de mulher, representa a vontade de ter relações com mulheres, ou de assistir a uma relação, já que o crucifixo e o cascudo se encontram juntos, num mesmo pacote. Os brincos são as distrações que tiram o pensamento do ambiente erótico, por isso ela queria comprá-los para sua filha. A professora que a convida para ir à sua casa é uma professora que gosta dela e não é correspondida. No sonho ela pode ter aparecido como uma possibilidade para a relação homossexual que não aconteceu. O resto do sonho se dá na outra cidade, em meio a grandes dificuldades, mas apesar de a rua ser cheia de tropeços, entulhos e ladeiras Joana continua firme, andando no seu caminho. Encontrou um homem que funciona, e outro aleijado. Sua cadeira de rodas estava vazia, não tinha nem homem sadio e nem tampouco aleijado. Joana a empurrava e caminhava, estava em busca de um ocupante para a sua cadeira. Encontrou uma vacaria, uma placa de vende-se leite. Leite é alimento, mas sai das tetas, se ela não encontrou um parceiro ou parceira de graça, então pode comprar. A vaca é fêmea a marcha do ônibus é o pênis, outra vez os dois se encontram na mesma sequência do sonho. Ela encontra uma mulher e um menino, mãe e filho, homem e mulher, o superego mostra que o normal é um homem com uma mulher, mas o homem é menino, o que impossibilita o sexo. A moral religiosa é forte e a reza lembra o pecaminoso do sexo. A tentativa com a mulher e as duas meninas ainda foi mais frustrante, elas correm, mesmo que seus argumentos coloquem Joana acima delas; Joana é professora... não adianta... nem dinheiro e nem posição social. Quem venceu foi a reza.
   Conclusão
        Na busca pelo equilíbrio, personagens arquetípicas interagem nos sonhos em um conflito que buscam levar ao consciente, conteúdos do inconsciente. “Os sonhos são a estrada real para o conhecimento da mente”, eles são particularidades de nosso inconsciente que “vazam” para o consciente quando estamos em estado de completo relaxamento. Nesse sentido o relaxamento, hipnótico ou não, também é importante, pois podemos viver processos semelhantes aos sonhos e dar pistas ao terapeuta para a análise do nosso inconsciente. Realmente os sonhos são esclarecedores, pois são partes de nossas vivências ativas. Quer acordado, quer dormindo nosso inconsciente está lá vivo e se manifestando tanto no estado de sonho como de vigila, precisamos aprender a escutá-lo.
        Para se interpretar um sonho na ótica da psicanálise, é preciso que se conheça o sonhador, se tenha feito uma anamnese bem feita e já tenha uma caminhada de análise com ele. A interpretação do sonho nada mais é do que uma ferramenta para a compreensão dos conflitos internos da pessoa e só tem sentido se for feita na tentativa de ajudar à pessoa a resolver seus conflitos.

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