Introdução
Esta abordagem conta com dois tipos de interpretações. A primeira
interpretação é a interpretação do senso comum e a segunda é
uma tentativa de interpretação à luz freudiana. Na interpretação
pelo senso comum os mecanismos de defesas estão mais palpáveis e
são inúmeros. Já na interpretação à luz de Freud, com uma
abordagem voltada para a vida sexual, há mecanismos de defesa mais
camuflados, talvez a sonhadora não quisesse se expor demais.
Para a psicanálise o sonho é o
"espaço para realizar desejos inconscientes reprimidos". Segundo
Freud a maioria dos sonhos têm desejos sexuais reprimidos. Para
Freud, no sonho, há o conteúdo manifesto: a fachada, o que
lembramos, e o sentido latente que é o que realmente importa por ser
aquilo que o sonho revela. Interpretar um sonho significa
conferir-lhe um sentido, isto é, ajustá-lo à cadeia de nossas
faculdades mentais.
O
sonho
Joana
estava em
uma escola onde trabalha;
na cozinha ela pega
um pacote de arroz. Uma professora, desconhecida, a
chamou
para saber se ela
estava no meio de uma confusão, ela
não estava, mas se
prontificou
a falar com a professora
em outra ocasião para esclarecimentos.
Joana saiu
com o arroz e um monte de cadernos e cadernetas nas mãos. Ia para
uma loja que um colega
havia aberto. Num quarto, úmido,
no final da loja havia uma mesa sobre a qual estava um monte de
sucatas de tralhas pequenas de ferro. Joana
organizou as
cadernetas e as amarrou
formando um pacote. Abriu
o pacote de arroz e encontrou
um crucifixo pequenino, um cascudinho, besouro e um lindo par de
brincos, cada um tinha uma correntinha dependurada, o
arroz custava R$
1,60 com tantas bijuterias?
Joana
pensou em comprar um quilo para a filha dela. Joana
estava com uma colega de trabalho que queria que ela fosse à sua
casa mas Joana
não acompanhou a colega que foi embora zangada.
Então Joana
foi embora para casa, uma
rua asfaltada cheia de ladeiras. Subiu,
desceu,
virou
a esquina e já estava
subindo, numa cadeira de
rodas, uma rua de outra
cidade. A cadeira andava
sozinha. Na calçada havia dois homens sentados, um se levantou, o
outro era aleijado. Ela saiu
da calçada e continuou
empurrando a cadeira em direção à outra
rua. Lá
ela encontrou
uma vacaria, uma placa de vende-se leite, um ônibus batido,
sucateado, um homem consertando uma macha do ônibus, a rua estava
cheia de entulhos de lixo,
úmida, ela reclamou
da rua, mas continuou
subindo. Encontrou
um menino e uma
mulher, que diz que vai haver um terço na rua. Joana
continuou
andando e
seguiu três
pessoas; uma mulher e duas meninas, quis
falar com uma das meninas e
a menina se
afastou e entrou
em casa, Joana diz que
já foi professora
da irmã dela, a menina não
lhe dá bolas e Joana sai...
As
interpretações
O sonho é dividido em duas partes:
A primeira acontece em uma
cidade, onde Joana
trabalha
atualmente e a segunda em outra
cidade.
Considero que a primeira parte é
um prelúdio para adentrar na segunda parte. Foi lá que Joana
viveu a adolescência. O que
percebo é que Joana sai
do presente, na primeira parte, para o passado na
segunda parte do sonho. No
inconsciente não há essa divisão, tudo está misturado. Dá para
perceber que ao sair da escola, para a loja do
colega, Joana
já estava adentrando na
outra cidade em que havia morado.
Nessa cidade foi onde Joana
passou fome. Acho que por
isso o arroz, para não ir para lá de mãos vazias. Os cadernos e
cadernetas são respostas à cidade de que agora ela
tem
emprego. É como se ela
fosse passar na cara da cidade: “estou trabalhando”. Na mesa
deveria haver comida, mas só há
sucatas, ferros duros de roer. Amarrar as cadernetas, diários de
classe, amarrar o emprego, assegurar-se de que o trabalho estaria
garantido. Abrir o pacote de arroz, abundância de comida; crucifixo,
Deus quem deu. Cascudo, garantia de alimento. Brincos,
estabilidade, riqueza, não há o que temer.
Joana
pode adentrar na própria
infância, na cidade onde
morou. Subir a rua
de Cadeiras de rodas, devagar, sofrida, tolhida pela fome... O
aleijado era o
pai, que entrou em depressão e não queria trabalhar para alimentar
os filhos,
vivia deitado numa cama. Os vizinhos trabalhavam. A rua na qual ela
empurra a cadeira é a rua onde ela morou por
um tempo. Vacaria e placa de vende-se leite, relaciono com a fome e a
vontade de comer. Como o ônibus, tudo está parado, sucateado, a
marcha que deveria colocar as coisas em andamento está emperrada.
Rua cheia de entulhos, lixo, Joana
reclama, mas continua
subindo. Reclama,
mas continua
lutando para sair da situação de miséria, no caso, estudando. Um
menino, uma mulher: a mãe
de Joana,
aflita, rezando. O menino pode ser um dos irmãos dela.
Nessa rua Joana encontra
uma mulher e duas meninas, diz
que já foi
professora de uma irmã da
menina: era o
futuro, a
profissão.
No sentido freudiano posso pensar o
sonho da seguinte forma: O pacote pode se referir ao saco escrotal, a
vontade de querer homem sempre demanda numa confusão, a professora
estava com ciúmes, no sonho o
inconsciente nega ao
consciente que Joana
esteja metida na confusão. Joana
sai com o arroz, macho; um
monte de cadernos e cadernetas, fêmeas nas mãos; o lado bissexual,
o pacote e as cadernetas, são
levados juntos, porque tem
as duas opções.
Ia para uma loja, se
abrigar para esconder sua
tendência bissexual ou talvez usar o pacote ou os cadernos sem que
ninguém a
visse. Nos fundos uma mesa, convite ao coito, mas não se dá o
coito, pois a mesa está cheia de sucatas, ocupada. Não é mesmo
para se dá o coito, pois o coito é o proibido. Seria na mesa que
ela
deveria unir pacote de arroz com cadernos e cadernetas o que não
aconteceu. Resta saber quem ou
o que são as sucatas que
impedem a realização do coito. O pacote feito com as cadernetas é
a amarração das pernas da mulher, unidas, para que não haja coito,
no caso; o
pacote de arroz era aberto, mas a religião, representada no
crucifixo era o empecilho para a realização do coito. O crucifixo
também representa um pênis, no caso pequenino, de criança,
atrofiado. Representa a falta de maturidade sexual, uma defesa para
menosprezar a importância de um pênis maduro e funcional. O
cascudo, um órgão sexual de mulher, representa a vontade de ter
relações com mulheres, ou de assistir a uma relação, já que o
crucifixo e o cascudo se encontram juntos, num mesmo pacote. Os
brincos são as distrações que tiram o pensamento do ambiente
erótico, por isso ela
queria comprá-los
para sua
filha.
A professora que a convida
para ir à sua casa é uma
professora que gosta dela e
não é correspondida. No
sonho ela pode ter aparecido como uma possibilidade para a relação
homossexual que não aconteceu. O resto do sonho se dá na
outra cidade, em meio a
grandes dificuldades, mas apesar de
a rua ser cheia de tropeços,
entulhos e ladeiras Joana
continua
firme, andando no seu
caminho. Encontrou um
homem que funciona, e outro
aleijado. Sua
cadeira de rodas estava vazia, não tinha nem homem sadio e nem
tampouco aleijado. Joana
a empurrava e caminhava, estava em busca de um ocupante para a sua
cadeira. Encontrou
uma vacaria, uma placa de vende-se leite. Leite é alimento, mas sai
das tetas, se ela
não encontrou
um parceiro ou parceira de graça, então
pode comprar. A vaca é
fêmea a marcha do ônibus é o pênis, outra vez os dois se
encontram na mesma sequência do sonho. Ela
encontra uma mulher e um
menino, mãe e filho, homem e mulher, o superego mostra que o normal
é um homem com uma mulher, mas o homem é menino, o que
impossibilita o sexo. A moral religiosa é forte e a reza lembra o
pecaminoso do sexo. A tentativa com a mulher e as duas meninas ainda
foi mais frustrante, elas correm, mesmo que seus
argumentos coloquem Joana
acima delas; Joana
é professora... não
adianta... nem dinheiro e nem posição social. Quem venceu foi a
reza.
Conclusão
Na
busca pelo equilíbrio, personagens arquetípicas interagem nos
sonhos em um conflito que buscam levar ao consciente, conteúdos do
inconsciente. “Os sonhos
são a estrada real para o conhecimento da mente”,
eles são particularidades de nosso inconsciente que “vazam” para
o consciente quando estamos em estado de completo relaxamento. Nesse
sentido o relaxamento, hipnótico ou não, também é importante,
pois podemos viver processos semelhantes aos sonhos e dar pistas ao
terapeuta para a análise do nosso inconsciente. Realmente os sonhos
são esclarecedores, pois são partes de nossas vivências ativas.
Quer acordado, quer dormindo nosso inconsciente está lá vivo e se
manifestando tanto no estado de sonho como de vigila, precisamos
aprender a escutá-lo.
Para
se interpretar um sonho na ótica da psicanálise, é preciso que se
conheça o sonhador, se tenha feito uma anamnese bem feita e já
tenha uma caminhada de análise com ele. A interpretação do sonho
nada mais é do que uma ferramenta para a compreensão dos conflitos
internos da pessoa e só tem sentido se for feita na tentativa de
ajudar à pessoa a resolver seus conflitos.
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