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sábado, 5 de setembro de 2020

Abuso sexual infantil

     Toda teoria psicanalítica está voltada para as consequências psíquicas de tudo que vivenciamos e são condições para a formação da mente saudável ou não. O nosso passado insiste em se presentificar, isso porque a mente não tem passado e traz para o momento em que estamos vivendo recordações boas e más. As boas se transformam em saudade, para nós de língua portuguesa, e as más não podem ser causas de atualização de sofrimentos. Quando elas vierem precisamos analisá-las, tirar-lhes a importância e deixá-las passar. O problema é quando esse passado traumático se presentifica indefinidamente, trazendo motivos para sofrimentos insuportáveis. Nos atendimentos de adultos que foram abusados sexualmente na infância, podemos perceber o quanto de mal trazem essas más lembranças para a pessoa. É uma ferida que nunca sara. Não há cicatrização que apague o sofrimento do estupro infantil, principalmente aquele praticado por pais e padrastos, pessoas as quais as crianças se confiavam. As pessoas que carregam o sofrimento de estupros infantil precisam serem acompanhadas permanentemente.

    Uma ninfomaníaca, hoje prostituta, se sentia julgada negativamente por muitas pessoas de seu convívio. Ela se dizia vítima de preconceitos dos mais variados. Teve muitos filhos e entre os filhos, os irmãos praticavam o abuso sexual com os menores, até crianças de 3, 4 anos eram abusadas pelos irmãos. Depois essas crianças cresceram, se tornaram promíscuas e entraram para as drogas, o tráfico, os assassinatos e as prisões. Numa análise foi constatado que essa mãe era constantemente abusada sexualmente por pessoas que deveriam cuidar dela. Então o julgamento das pessoas perdem a base de moralidade. É por isso que não se deve julgar, pois não se sabe o tamanho do sofrimento do outro e que lembranças fazem parte dos seus monstros interiores. Mesmo que essas pessoas não tragam para o presente, pensamentos conscientes dos traumas passados, eles estão lá, no inconsciente e se manifestam em ações e atitudes, nem sempre compreensíveis nem para elas próprias. As pessoas não aceitam de bom grado, algo ruim que lhes aconteceram e sempre vão apresentar reações em relação aos fatos que as incomodaram. Talvez nem elas mesmas tenham condições de interpretar suas reações. Daí entra a psicanálise para ajudá-las nessa interpretação e lhes fornecer elementos que as ajude a encontrar alternativas que possam diminuir seus sofrimentos. 

    O abuso infantil não causa apenas sofrimentos físicos. O pior é o trauma psicológico que acompanha as vítimas por toda vida. O sofrimento ainda é mais intenso quando essas crianças são obrigadas ao silêncio por seus agressores, e vão acumulando traumas sobre traumas. Um dia os traumas vão começar a se manifestar em atitudes confusas e inexplicáveis, do ponto de vista racional de quem convive com essas pessoas. Certos conflitos permanecerão por toda a existência do indivíduo. Para Freud cada ser humano é fruto de todas os amálgamas psíquicos vividos desde o início de cada um, mesmo antes do nascimento.

    Não podemos relatar pormenores de vivências do setting analítico, pois as pessoas podem se reconhecerem no texto. Mas os sofrimentos causados pelo abuso sexual infantil trazem não só mal estar para os abusados, mas transbordam para a sociedade. Ninguém pode imaginar o quanto dos marginais, viciados em drogas, pessoas que pratica latrocínios, agressores de mulheres, e vice-versa, pedófilos,foram abusados e agredidos na sua infância. É preciso considerar também que nem todos os abusados enveredaram pelo caminho do crime, mas muitos criminosos foram abusados sexualmente e abusaram também de outras pessoas. É um circulo vicioso que tem que parar para que aconteça parte da cura da sociedade.

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