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terça-feira, 15 de setembro de 2020

Transferência e contratransferência

            Transferência é essencial à análise.

Tu me escutas e eu te olho. Tu me olhas e eu quero te escutar.

    Neste texto apresento uma construção do marco teórico sobre transferência e contratransferência.

        Freud chamou a atenção para a importância da infância na construção da vida adulta no que diz respeito ao equilíbrio psíquico. No seu artigo “Sobre o Narcisismo” (1914), destacou o apego das crianças às pessoas como fator fundamental de formação de sua vida psíquica. Esse apego ou desapego marcará as relações afetivas do adulto que repetirá esse padrão com pessoas que venham a despertar nuances de pessoas com as quais tenha convivido na infância.

Só é viável estudar a transferência para entender a história de vida do analisando e ajudá-lo a resinificar suas vivências inconscientes. No caso Berta Pappenheim = Ana O., que transferiu no setting de Breuer, Freud relata o término abrupto da análise de Ana O. como consequência dessa transferência. O analista precisa trabalhar a transferência do analisando com cuidado e paciência, sem contra transferir até que a transferência se esmaeça, perca a importância, desapareça, não seja mais capaz de provocar, no analisando, sintomas neuróticos derivados da mesma, como foi o caso de Anna O. que ao ser abandonada por Breuer, por ter transferido, apresentou uma gravidez nervosa.

        Para Freud a transferência tem sempre um conteúdo sexual. Ela é a atualização do inconsciente em qualquer estágio traumático da vida e acontece quando o indivíduo encontra em alguém, semelhança com pessoas que de certa maneira estiveram presentes nos acontecimentos da sua vida. A transferência pode ser negativa ou positiva. No setting cabe ao profissional a condução do processo para um desfecho positivo, apesar dele não está livre de contra transferir, deverá trabalhar essa emoção com seu supervisor e com seu analista enquanto dá continuidade ao trabalho com seu analisando. A contra transferência é ponto passível de acompanhamento analítico, tanto quanto a transferência. Só um profissional bem acompanhado por seu analista pode analisar outras pessoas.

Freud escreve o termo “transferência” várias vezes no livro “Interpretação dos Sonhos” (1900). “Alguns dias antes, eu havia explicado à paciente que as primeiras lembranças da infância “não se conseguiam mais como tais”, mas eram substituídas, na análise, por “transferências” e sonhos”. (p.128).

Há o deslocamento de representações inconscientes “para uma representação pré-consciente. Mais tarde ao formular a teoria da transferência, Freud a faz nestes termos; “O que são as transferências”? São reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiências psíquicas prévia é revivida, não como algo passado, mas como um vínculo atual com a pessoa do médico. Algumas dessas transferências em nada se diferenciam de seu modelo, no tocante ao conteúdo, senão por essa substituição. São, portanto, para prosseguir na metáfora, simples reimpressões, reedições inalteradas. Outras se fazem com mais arte: passam por uma moderação de seu conteúdo, uma sublimação, como costumo dizer, podendo até tornar-se conscientes ao se apoiarem em alguma particularidade real habilmente aproveitada da pessoa ou das circunstâncias do médico. São, portanto, edições revistas, e não mais reimpressões. A produtividade da neurose, porém, de modo algum se extingue, mas se exerce na criação de um gênero especial de formações de pensamento, em sua maioria inconscientes, às quais se pode dar o nome de “transferências”. Um caso de Histeria. (p. 70)

A transferência é peculiar à neurose. Se a análise é um tratamento das neuroses, fatalmente a transferência tem que acontecer no setting analítico. Pela transferência analisada, o analisando se torna livre da ação inconsciente dos impulsos reprimidos. Freud nunca perde o referencial da transferência na direção de suas descobertas teóricas (Lourenço, 2005). Diante do analista o paciente revive acontecimentos, o analista ajuda a resinificação do paciente que ao se confrontar consigo mesmo compreende suas vivências neuróticas. É o “Recordar, Repetir e Elaborar”. O papel do psicanalista é ser terreno onde o analisando possa transitar sem medo da censura e reelaborar seu caminho.

        O conteúdo reprimido aparece de modo transferencial e inconsciente. O psicanalista entra com o papel de tradução daquilo que é inconsciente para o consciente. “Nossa terapia age transformando aquilo que é inconsciente em consciente, e age apenas na medida em que tem condições de efetuar essa transformação”. Conferência Introdutória, parte III (p. 27). Na transferência há uma economia do trabalho de rememoração por parte do analisando, ema vez que há a fruição do inconsciente para a pessoa do psicanalista, no caso da transferência do setting psicanalítico. O psicanalista é a referência para o inconsciente vir à tona, tornar presentes seus conflitos e encaminhá-los para um desfecho mais favorável do que no passado. A transferência aparece de várias maneiras desejo de ser filho/a, amante, amigo/a, predileto/a, mimado/a, etc. O psicanalista se transforma num ídolo para o analisando. Esta é a transferência positiva. Já na transferência negativa o analisando encarna uma hostilidade sem motivos para com o psicanalista, este estará preparado, também para lidar com essa hostilidade transferencial. Essa forma de transferência acarreta a resistência à análise. Os sentimentos hostis do analisando com relação ao psicanalista também são favoráveis à análise, embora exija uma competência e uma maturidade acuradas do psicanalista. Os sentimentos hostis também indicam a presença de vínculos afetivos do passado e devem ser tratados com o mesmo sentido da transferência positiva. A dificuldade, nesse caso, é que a resistência vai se interpor na condução do tratamento e o analista precisa ser muito hábil para ter sucesso no trabalho. Os conteúdos que estão reprimidos no inconsciente tendem a voltar e exigir realização, isso acontece durante toda a vida. A sorte é se essa volta se der num setting, frente a um profissional em psicanálise que acolhe o analisando em suas reelaborações desses conteúdos. No setting o analisando revive realidades inconscientes.

        Pelas características e mudanças socioeconômicas e ideológicas da atualidade, o analisando não apresenta as emoções vividas da maneira, mesmo porque as pessoas para as quais ele transfere são também outras. Embora o inconsciente tenha se formado no passado, não podemos nos referir ao passado para o mesmo, pois ele é sempre presente. A pessoa do psicanalista desperta o insight no inconsciente, como ele não tem o discernimento “revive” situações.

Conclusão

A transferência não é criada no setting psicanalítico, apenas nele ela encontra um lugar propício para se revelar. Nela o psicanalista encontra material útil a seu trabalho. É realmente um “Método Perigoso”. Nunca é demais o investimento em análises e formação para o psicanalista e mesmo com todos os cuidados ele ainda corre o risco de contra transferir e ter que passar o seu analisando para outro profissional se não conseguir lidar corretamente com a situação.

        A transferência se dá ao longo da vida, nas circunstâncias mais variadas. No setting ela é material de análise apenas.

    REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Um caso de Histeria. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. http://www.psicanaliseflorianopolis.com/artigos/147-obras-completas-de-sigmund-freud.html

-- Conferências Introdutórias. Parte III. Vol. XVI (1916-1917) http://www.psicanaliseflorianopolis.com/artigos/147-obras-completas-de-sigmund-freud.html

LANDA, Fábio. Ensaio sobre a criação teórica de Ferencsi a Nicolas Abraham e Maria Torok. Ed. Unesp, 1998.

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