“ Existe um porre muito antes do álcool. É a
bebedeira egoísta e narcisista de ignorar os outros”. Arnaldo Jabor.
INTRODUÇÃO
As alegorias sobre a mitologia nos
dão material para a compreensão da psique humana. Os mitos podem ser
considerados como as matrizes da formação do complexo da mente humana. Eles nos
dão material fundamental para a discussão dos significados das ações humanas. Para
Mesciea Eliade (1972), o mito “fornece os modelos para a conduta humana,
conferindo, por isso mesmo, significação e valor à existência”. O mito, como os
sonhos, atrelados aos símbolos, são os fundamentos da psicanálise. Neste
trabalho será abordado o mito de Narciso para referenciar as etapas da formação
do ser humano.
O
mito de narciso tem seus primeiros registros por volta do século VIII a.C. É
uma narrativa da mitologia grega que remete à construção mental e emocional do
ser humano. Freud ainda não foi estudado o bastante para que se tenha
conhecimento da sua genialidade ao inserir e interpretar os mitos como
coadjuvantes na interpretação da psique humana. Na Grécia antiga a vida humana
era explicada nos mitos e Freud soube captar esse aspecto da mitologia como
ninguém o fez, nem antes e nem depois dele. O ser humano relata, em seu
imaginário, aquilo que já faz parte da sua formação psíquica. Segundo Jung
todos tem um inconsciente coletivo. Assim o mito de Narciso e outros mitos
gregos já pertenciam à formação psíquica do ser humano antes de serem escritos,
dramatizados e divulgados. Foi muito sábio a transposição dos conceitos da
mitologia para a psique humana.
A lenda de Narciso foi divulgada por
Ovídio em sua metamorfose. Apaixonado por si mesmo viu sua imagem num espelho
d’água onde descobriu que o objeto de seu amor era ele mesmo. Até o fim do
século XIX, o termo narcisismo foi utilizado pelos sexólogos para designar uma
perversão sexual caracterizada pelo amor excessiva que uma pessoa dedica a si
própria.
O NARCISISMO EM FREUD
Freud,
ao falar dos invertidos, nos seus “três ensaios sobre a teoria da sexualidade”,
aborda o narcisismo pela primeira vez. Freud escreveu que os invertidos tomem a
si próprio como objetos sexuais e, “partindo do narcisismo procuram rapazes
semelhantes à sua própria pessoa, a quem quer amar tal como sua mãe o amou”. Freud
considerou o narcisismo como um estádio normal da evolução humana. Essa
abordagem freudiana é percebida em seu ensaio “Leonardo da Vinci e uma
lembrança de sua infância”, 1910 e no estudo que fez sobre Schreber em 1911.
Em 1914, há exatos 100 anos, Freud
deu à teoria do narcisismo um conceito psicanalítico e o mesmo passou a ser
visto como um estágio normal do desenvolvimento sexual humano.
O narcisismo é definido como
narcisismo primário e narcisismo secundário. O narcisismo primário é infantil.
Dá-se quando a criança escolhe a si própria como objeto de seu amor. Após essa
fase a criança, aos poucos, vai evoluindo na sua percepção externa e fazendo a
transferência do seu amor egoísta para o amor aos objetos em seu entorno,
incluindo as pessoas. Freud explica esse comportamento humano como a presença
da libido do eu e a libido do objeto e formula a hipótese de um movimento de
gangorra entre as duas, de tal sorte que, se uma enriquece, a outra empobrece,
e vice-versa. O narcisismo primário é contemporâneo da constituição do eu.
Freud define que o amor dos pais por seus bebês é uma forma de ressurgimento do
narcisismo primário. Uma opinião pessoal: Penso que o amor que os pais dedicam
a seus bebês é um pressuposto para que os bebês formem seu próprio eu, já que o
narcisismo primário, segundo Freud, é anterior à construção do eu. Nos pais o
bebê tem a possibilidade de fazer a distinção entre si e as outras pessoas. Ele
precisa fazer a transição de seu amor a si próprio para o amor aos pais. A
criança vai, paulatinamente, deixando de usar os pais em seu benefício e
criando outras formas de relações com os objetos as pessoas ao seu redor.
O narcisismo secundário se
caracteriza pela retirada da libido de todos os objetos externos. No caso
Schreber, Freud registra que as pesquisas recentes o levaram a mover a atenção
para um estádio do desenvolvimento da libido, entre o autoerotismo e o amor objetal.
Chega uma ocasião, no desenvolvimento do indivíduo, em que ele reúne seus
instintos, que haviam sido dirigidos às atividades auto eróticas e os movem em
direção a um objeto amoroso, passando a escolher outra pessoa, que não ela
mesma, para o objeto de seu amor.
Em
1914, Freud escreveu um artigo sistematizando o conceito de narcisismo aplicado
à psicanálise. Em seu livro “Leonardo” (1910), Ele já havia feito referência ao
narcisismo, portanto, já vinha trabalhando a ideia do mito aplicado à
psicanálise. Freud usou o mito sexual, mas ele foi além ao abordar no mesmo
mito as relações entre a “libido o ego” e a “libido objetal”.
CONCLUSÃO
O termo narcisismo, empregado para
descrever uma situação em que o indivíduo toma a si mesmo como objeto de seu
amor, de acordo com dicionário de Esisabeth Roudinesco, foi usado pela primeira
vez por Alfred Binet (1857 – 1911), por Havelock Ellis em 1898, para marcar um
comportamento perverso relacionado com o mito grego de Narciso. De acordo com
os comentários feitos nas obras completas (Stadard Editora), o mito de Narciso
foi empregado por Paul Näcke para definir a pessoa que trata o próprio corpo e
a forma como é tratada o corpo do objeto sexual.
O Narcisismo é uma etapa evolutiva
normal em todo ser humano e pode, segundo Zimerman, se prolongar ao longo de
toda a vida com características absolutamente normais e sadias. É uma forma de
autoestima e da pessoa gostar de si mesma, uma vaidade e um orgulho próprio
pelo reconhecimento de seus valores e progressos reais. A patologia dá-se
quando esse comportamento se dá de uma forma exagerada com transtornos no
pensamento e na conduta. Quando o indivíduo apresenta um egocentrismo muito
acentuado e uma dificuldade de “olhar” para fora de si mesmo, de ter amor por
outras pessoas; o narcisista se transforma num sujeito frágil, que desmorona ao
menor sina de frustração. A patologia narcisista não é passível de análise.
Josefa Libório, maio de 2014.
BIBLIOGRAFIA
ELIADE,
J. O Poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1993.
FREUD,
Sigmund. Obras Psicológicas Completas. Edição Standard
Brasileira, Imago Editora, 1976.
ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro, Editora
Zahar.
ZIMERMAN, David. Fundamentos Psicanalíticos – Teoria e Clínica –
Uma abordagem Didática. Porto Alegre. Editora Artmed, 1999.
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