Não
há nada que o homem tema mais que o contato com o desconhecido. Quer ver o
que vai tocá-lo, quer poder reconhecê-lo ou, em todo caso, classificá-lo.
Sempre o homem se esquiva do contato insólito. A noite, e na obscuridade em
geral, o assombro de um contato inesperado pode se intensificar em pânico.
Mesmo as roupas
não são suficientes para garantir a segurança; elas são tão fáceis de serem
rasgadas, é tão fácil penetrar até a carne nua, lisa e sem defesa da vítima.
Todas as defesas
que os homens criaram ao seu redor são ditadas por essa fobia do contato. Ele
se tranca em fortalezas onde ninguém pode entrar, e somente nelas se sente um
pouco seguro. O medo que sente do ladrão não provém apenas das rapaces
intenções deste, é também o medo de seu aparecimento súbito e inesperado no
escuro. A mão deformada em garra é sempre o símbolo utilizado dessa angústia.
"Agredir" é, antes de mais nada, "atacar", o contato
inofensivo se interpreta aqui como ataque perigoso, e é este último sentido que
acaba prevalecendo. Uma "agressão" é um contato pejorativo.
A massa invisível povoa o espírito dos
crentes: mortos e santos formam uma multidão, substrato das religiões. O tipo,
também importante, de massa invisível, é o da descendência. Esta, na sua
infinidade, não é visível para ninguém. Um homem pode conhecer, no máximo, duas
ou três gerações. Depois, vem o grande exército dos mortos.
Para o homem moderno,
entretanto, este exército não possui grande significado, sendo por isto
substituído por outro: o exército dos que ainda não nasceram. É este, em
realidade, que se encontra presente em toda discussão a respeito do futuro do
planeta, um sentimento profundo em defesa dos não-nascidos, que não devem
sofrer as consequências da belicosidade dos vivos.
CANETTI, Elias. Massa e Poder, Editora Universidade de
Brasília/Melhoramentos.
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